Na época industrializada e automatizada em que vivemos, foi necessário criar um regime especial de responsabilidade civil do produtor, com particularidades distintas das do regime da responsabilidade civil tal como o encontramos no Código Civil.
O DL n.º 383/89 concebe um amplo conceito de produtor no seu art. 2.º. Neste artigo encontramos dois tipos de produtor, o produtor real que é “o fabricante do produto acabado[1], de uma parte componente ou de matéria prima” e o produtor aparente “quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo”.
Relativamente ao conceito de produto, o art. 3.º do DL n.º 383/89 define e limita-o no seu n.º 1: “Entende-se por produto qualquer coisa móvel, ainda que incorporada noutra coisa móvel ou imóvel”.
O conceito de produto engloba um vasto conjunto de bens móveis. Segundo o acórdão da Relação do Porto de 14/07/2010[2], cabem neste conceito, todos os tipos de bens produzidos, independentemente de se tratar de bens de consumo, como eletrodomésticos, brinquedos, ou bens de produção, como matérias de construção, ou bens industriais, como máquinas, ou bens artesanais e artísticos.
O art. 1.º do DL nº 383/89 estabelece que “o produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação”.
Este regime adota uma noção de defeito relacionada com a falta de segurança dos produtos, dispondo o art. 4.º n.º 1 que “um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em conta todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação.” Por sua vez, o nº 2 do preceito em apreço refere que “não se considera defeituoso um produto pelo simples facto de posteriormente ser posto e circulação outro mais aperfeiçoado”.
Enquanto o número 1 do art. 483.º do CC prevê a responsabilidade subjetiva, segundo o dever de indemnizar o lesado pelos dados resultantes da violação do seu direito ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios advém da atuação com dolo ou mera culpa, o art. 1.º do DL 383/89 dispõe que o produtor responderá pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação, independentemente de culpa. O número 2 do art. 483.º do CC dispõe que só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei. Conjugamos, então, este número com o art. 1.º do DL 383/89.
Assim, o DL n.º 383/89 surge com o objetivo de proteger o consumidor contra o produtor, relativamente a produtos defeituosos e perigosos produzidos por este. A responsabilidade objetiva do produtor é uma responsabilidade que se forma independentemente da culpa. Esta responsabilidade surge para que os consumidores lesados tenham uma maior proteção, levando a que o produtor tenha mais cuidados e brio no desenvolvimento dos produtos, antes de os lançar para o mercado.
No mesmo normativo legal, encontramos os conceitos estruturantes desta responsabilidade, o conceito de produtor, de produto e de defeito. O conceito de produtor é bastante amplo, devendo ser estudado o caso em concreto uma vez que podemos estar perante um produtor real, aparente ou presumido. Em relação ao defeito, a questão central a ser colocada para a verificação da responsabilidade objetiva é se o produto defeituoso é ou não seguro.
A responsabilidade em questão é uma responsabilidade independente de culpa, contudo, o lesado tem de provar os elementos que constituem a responsabilidade objetiva, o defeito, o dano e o nexo de causalidade entre ambos.
Posto isto, o regime da responsabilidade do produtor por produtos defeituosos, por um lado pretende proteger o consumidor/lesado de um produto defeituoso através da responsabilidade objetiva do produtor, independentemente da culpa, mas também protege o produtor estipulando causas de exoneração da responsabilidade, tendo o lesado um difícil ónus da prova.
[1] João Calvão da SILVA, Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, Almedina, 1990, p. 547 e 548, defende que, como produtor do produto acabado deve considerar-se o chamado “assembler”, isto é, a pessoa que se limita pura e simplesmente a reunir ou montar, num produto próprio que vende, as peças ou partes componentes fabricadas e fornecidas por outros. Segundo o autor, o assembler deve responder objetivamente, mesmo que em concreto não possa realizar qualquer tipo de controlo do produto.
[2] Acórdão da Relação do Porto, Relator Henrique Antunes, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/1d95617cc33d0ce3802577ba0046f198?OpenDocument, consultado em 15 de abril de 2021.